O 25 de Abril, por marcar o início da 3ª República e ser por isso alicerce do atual sistema político, é tratado com reverência por todos os partidos com assento parlamentar, até mesmo os que mais se aproximam ideologicamente do Estado Novo. A pompa e circunstância das celebrações parlamentares atestam esta reverência, que é, no entanto acompanhada, por uma tentativa constante de branquear o 25 de Abril — um processo natural à direita, mas de que a esquerda não se iliba por completo.
A principal forma de diminuir o significado da revolução de Abril é reduzi-la ao golpe de estado que teve lugar na noite de 24 para 25 de Abril. Isto exige um vasto esforço de apagamento de memória. Ignoram-se as lutas anticoloniais e antifascistas que se desenrolaram, muitas vezes com recurso à violência, durante todo o período do Estado Novo, que hoje como na altura voltam a ser referidas como terrorismo. Ignora-se a violência fascista que persistiu após o 25 de Abril de 1974, tanto em Portugal, sob a forma de organizações como o ELP e o MDLP, como nas antigas colónias, com episódios como a revolta do Rádio Clube, em Moçambique. Ignora-se a luta popular que, nos meses depois do 25 de Abril, concretizou inúmeras ações diretas através da ocupação de fábricas, casas devolutas e terrenos férteis, obrigando militares e partidos a dar resposta às suas reivindicações.
A glorificação do 25 de Novembro como fim de uma suposta ameaça comunista e início da dita normalização democrática remata o esvaziamento do 25 de Abril, remetendo-o para o papel de mera transição entre a ditadura e a democracia parlamentar.
Uma perspetiva crítica do que foi o período revolucionário deve reconhecer que as "conquistas de Abril", incluindo aquelas que foram consumadas em contexto parlamentar — como o Sistema Nacional de Saúde, o aumento da escolaridade obrigatória ou a consagração de direitos laborais — foram garantidas e defendidas graças à luta de rua, à ação direta e a uma oposição que vai bem mais além do campo eleitoral. Deve ainda reconhecer que muitas destas lutas continuam incompletas.
O direito universal à habitação, de que fala o artigo nº65 da Constituição, nunca foi realmente concretizado, e é hoje novamente posto em causa pela gentrificação e pelas políticas que beneficiam a especulação financeira.
A independência das antigas colónias está longe de representar o fim da luta anticolonial, quando o estado português continuou a negar durante décadas a nacionalidade a dezenas de milhares de pessoas racializadas dessas antigas colónias, muitas delas empurradas para a segregação em zonas suburbanas, ao mesmo tempo que se rejeitava a responsabilidade portuguesa nas atrocidades cometidas nesses territórios, como o massacre de Wiriyamu. Nem tão pouco quando, mantendo a subserviência a alianças militares como a OTAN, Portugal insiste numa política externa que não faz o suficiente para combater o colonialismo sionista do estado de Israel na Palestina.
As representações conservadoras de género e de sexualidade do Estado Novo, que tanto tempo demoraram para ser rejeitas, até mesmo dentro de movimentos de esquerda, ganham novo fôlego graças ao contacto com movimentos reacionários internacionais. Fala-se hoje abertamente da criação de obstáculos legais ao aborto — a somar aos obstáculos institucionais que já existem dentro do SNS.
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Acreditamos que vale a pena assinalar os 50 anos do 25 de Abril de 1974. Para relembrar o fim do fascismo e o período de intensa luta social que se seguiu à sua queda; e para relacionar essas lutas com as que continuamos a travar. Lançamos por isso este mote a todes que hoje, lutam pela paz, o pão, a saúde, a educação e a habitação — contra a desigualdade económica, a discriminação, o racismo, o machismo, a queerfobia:
Como assinalar os 50 anos do 25 de Abril afirmando uma narrativa crítica e radical, desviando a atenção das comemorações institucionalizadas para as práticas de luta?